segunda-feira, 22 de junho de 2009

O uso de animais no ensino no Brasil e no mundo

No Brasil os cursos de medicina, medicina veterinária, biologia, psicologia, odontologia, entre outros possuem aulas práticas em que são utilizados animais vivos (vivissecção) ou mortos especificamente para fins didáticos. A Faculdade de Medicina Veterinária da USP já não utiliza animais vivos em suas aulas de técnica cirúrgica. Em vez disso, utiliza cadáveres, especialmente preparados, de animais que tiveram morte natural em clínicas e hospitais veterinários. Os alunos também praticam cirurgias de castração em cães e gatos levados pelos proprietários. Na Europa e nos Estados Unidos, muitas faculdades não utilizam mais animais, nem mesmo nas matérias práticas como técnica cirúrgica e cirurgia - são oferecidas alternativas em todos os setores. Somente nos EUA, mais de 100 escolas de medicina (quase 70%) incluindo Harvard, Columbia, Standford e Yale, não mais utilizam animais.

Na prestigiada Harvard Medical School, de acordo com o Dr. Michael D’Ambra, anestesiologista cardíaco que dirige o programa de Harvard (em que não são mais utilizados cães ou outros animais), "a única coisa que um estudante pode fazer num cão de laboratório e que nós não ensinamos como fazer numa sala de cirurgia é matá-lo". Em toda a Inglaterra e Alemanha, a utilização de animais na educação médica foi abolida. O mesmo está acontecendo em países da América Latina, como a Argentina. Em março de 2001, a Western University of Health Sciences, na Califórnia, anunciou a aprovação da construção de sua primeira escola de medicina veterinária onde não serão utilizados animais nas aulas (será a primeira nova escola de medicina veterinária dos EUA nos últimos 20 anos). De 2000 a 2001, mais de um terço da universidades da Itália abandonaram a utilização de animais para fins didáticos. Professores de faculdades de farmácia, como a de Pavia, e de veterinária, como as de Pisa, Parma, Messina, Milano, Padova e Teramo, já declararam a validade ou mesmo a possibilidade de utilizarem métodos alternativos no ensino.

Materiais alternativos


Há muitos recursos que podem substituir o uso didático de animais nas salas de aula. Para as matérias básicas de fisiologia, farmacologia e toxicologia existem alternativas para todos os temas - não é mais necessária a utilização de animais. As alternativas envolvem modelos e manequins simuladores, filmes e videotapes interativos, simulação computadorizada e realidade virtual; auto-experimentação e estudo em humanos; uso responsável de animais; estudos in vitro e experimentos com plantas e observação e estudo em campo. Os cadáveres de animais que morrem naturalmente nos hospitais universitários, abrigos ou clínicas veterinárias e são utilizados em aulas de anatomia, patologia, parasitologia, técnica cirúrgica entre outras, são exemplos de recursos didáticos substitutivos, bem como a prática cirúrgica de castração em cães e gatos de entidades de proteção animal que são posteriormente doados.


Perda da Qualidade de Ensino?


Existem dados comprovando que os alunos que aprendem farmacologia, fisiologia e toxicologia sem treinar em animais, têm desempenho tão bom nas clínicas e nas provas quanto os alunos que aprendem com o uso de animais. As vantagens pedagógicas específicas no uso dessas alternativas são muitas: elas são práticas, permitem que os alunos as utilizem no seu próprio ritmo sem o estresse do exercício com os animais vivos. Os alunos podem treinar fora das aulas, não precisam ficar presos naquela aula específica, podem fazer mais repetições e variações, o que não é possível nas aulas tradicionais. Os alunos podem se concentrar nos princípios que estão tentando aprender. No ensino que envolve habilidades manipulativas ou psicomotoras, há muitas alternativas como por exemplo a venopunção e cateterização em modelos, pranchas para treinar a realização de nós e suturas que podem ser realizadas nas aulas práticas e nas horas vagas dos alunos. Procedimentos ortopédicos também podem ser ensinados sem utilizar animais vivos por meio de diferentes modelos de osso ou ossos artificiais. Simuladores podem ser usados para o ensino de entubação e ressuscitação cardiopulmonar sem causar dor ao animal. Os alunos aprendem sua primeira intervenção cirúrgica em cadáveres, abordagem e técnicas e depois disso podem aplicar as técnicas em animais vivos que irão sobreviver à cirurgia.

Há alguns estudos que foram feitos avaliando a eficácia de métodos tradicionais e métodos alternativos e nesses estudos foi demonstrado que em todos os casos, os alunos que estudaram cirurgia em métodos alternativos tornaram-se tão competentes e hábeis quanto aqueles que aprenderam em métodos tradicionais. Resistência ao Novo A resistência existe não só por parte dos professores como também dos alunos. Porém, os alunos se inspiram e sofrem influência do sistema de ensino ao qual estão inseridos e de onde recebem o conhecimento. Logo, uma atitude coerente e firme dos professores e diretores irá influenciar esses alunos. Entretanto, o desenvolvimento de alternativas para o uso de animais, ligado ao bem-estar animal, tanto no ensino como na experimentação, já faz parte da realidade brasileira. Basta tomar como exemplo o último Exame Nacional de Cursos (Provão) que incluiu em seu programa de prova, para os alunos das faculdades de medicina veterinária do país, o assunto Bem-Estar Animal. No exame, houve uma questão sobre bem-estar animal (experimentação) e o assunto foi mencionado em outra (produção animal). Isso significa que o MEC vem reconhecendo a importância do assunto.

Relação entre o custo e o benefício dos métodos alternativos

Defende-se a utilização de animais no ensino baseando-se nas vantagens econômicas do seu custo sobre as alternativas. Ao contrário, o uso de animais implica gastos com alimentação, medicação, instalações, pessoal especializado (técnicos e veterinários) ao mesmo tempo que a maior parte dos materiais alternativos possuem um tempo de vida indeterminado. Há atualmente alternativas com os preços mais variáveis, algumas praticamente sem custo ou com custo bem baixo. Outras, como alguns programas de computador para as aulas de fisiologia, toxicologia e farmacologia e que já são utilizados há alguns anos em algumas faculdades do Brasil, possuem um preço acessível.

Quanto às alternativas mais caras, como alguns manequins importados, podem tornar-se mais baratos à medida que forem fabricados por empresas brasileiras. Além disso, muitos outros aspectos da substituição são economicamente vantajosos, como por exemplo, quando utiliza-se cadáveres no ensino, doados com consentimento por clínicas veterinárias sem os riscos das zoonoses. Financiamento para a pesquisa De modo crescente, os institutos de apoio à pesquisa analisam ou levam em consideração a existência de comitês de ética e a maneira como os animais são utilizados.

(Disponível em: http://www.arcabrasil.org.br Acesso em 20 de abril de 2009)

Uso de animais vivos para ensinar divide professores

10 de abril de 2008


Encontro pretende difundir métodos alternativos em universidades paulistas
ONG inglesa está no Brasil para mostrar técnicas de medicina e veterinária que não usam bichos vivos; USP e Unicamp terão palestras.

AFRA BALAZINADA REPORTAGEM LOCAL


O cão Jerry pode ser entubado, receber ressuscitação boca-focinho, tomar injeção e ganhar uma tala. Seu corpo também emite diversos tipos de som, da respiração e do coração, que podem ser ouvidos com a ajuda de um estetoscópio.

Mas esse cachorro não late, não abana o rabo nem sai pulando atrás do dono. Jerry é um manequim usado para substituir animais vivos em salas de aula e em treinamentos para futuros veterinários.Ele veio ao Brasil na bagagem do inglês Nick Jukes, 41, coordenador da InterNiche (ONG que promove alternativas ao uso de animais na educação).Até a próxima quinta-feira, acontece um encontro em universidades de São Paulo sobre o tema. Hoje e amanhã, o evento -que já passou pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas e pela Faculdade de Medicina do ABC- estará na Unicamp (Universidade Estadual Paulista).




Nick Jukes com seu cão Jerry, que substitui animais vivos


Nos últimos dois dias, o encontro será na USP (Universidade de São Paulo).O objetivo é difundir novas formas de ensinar -softwares de laboratório e de dissecção multimídias, simuladores de procedimentos cirúrgicos e manequins- que possam substituir bichos vivos sem que haja prejuízo ao aprendizado.O uso de animais em pesquisas científicas não será abordado no encontro.TradiçãoDiferentes tipos de animais, como ratos, camundongos, coelhos e cachorros, são usados em aulas da área de biologia -para vivissecção- e no treinamento de futuros médicos e veterinários em cirurgias."As pessoas supõem que é bom aprender com animais vivos porque é a tradição. Mas pesquisas mostram que as alternativas são iguais ou até melhores para ensinar.

Com os métodos substitutivos, você pode treinar repetidas vezes e, quando se sentir seguro, já pode praticar na clínica com pacientes reais", diz Nick Jukes.A Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul eliminou em 2007 o uso de animais vivos para treinar estudantes.Já na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, de acordo com a professora Júlia Matera, são usados apenas cadáveres de animais nas aulas de cirurgia.


Entretanto, ela diz que nas aulas de farmacologia e fisiologia ainda se usam bichos vivos."Não há um consenso. Tem docente que acha que se o aluno não ver ao vivo e a cores não vai aprender", diz a professora, que implantou o uso de cadáveres há nove anos na cirurgia.As opiniões também divergem entre os universitários (veja textos nesta página).Ana Maria Guaraldo, presidente do Comitê de Ética na Experimentação Animal da Unicamp, diz que os alunos da universidade usam língua de boi para treinar sutura e bexiga para fazer o ponto de plástica. "O uso de cães zerou e houve grande redução no número de roedores", afirma.
Muitos professores, entretanto, acreditam que os métodos alternativos não suprem as necessidades de aprendizado.O médico David Feder, professor da Faculdade de Medicina do ABC, considera que há limitações e teme que a formação do aluno fique aquém das necessidades da profissão."O ganho de experiência numa aula prática é maior porque você tem reações inesperadas e precisa interpretá-las", afirma. A instituição em que leciona proibiu, no meio do ano passado, o uso de animal vivo nas aulas. A prática é liberada para "pesquisas inéditas, com relevância científica"."Antes, os estudantes do 2º ano faziam pequenos procedimentos em roedores e, agora, infelizmente, o aluno fica assistindo a um filme com a demonstração", conta. Outro problema que ele aponta é o alto custo das alternativas. "Um manequim complexo pode custar R$ 350 mil."Os equipamentos, como o cão Jerry, muitas vezes são importados. Mas há empresas que os distribuem no país.

Método alternativo de ensino substitui a vivissecção de animais

Folha de São Paulo - 26.01.06 - www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2901200615.htm

NERVOS DE AÇO
Hospitais investem em tecnologia com custo de até US$ 300 mil para formação de profissionais de saúde

Médicos usam robô e ator para reciclagem
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

Pedrinho, seis meses, chega ao hospital inconsciente, com politraumatismo e suspeita de hemorragia interna. Meia hora antes, ele e a mãe foram lançados para fora de uma van que se chocou contra um ônibus na avenida Brasil, no centro do Rio. A mãe morreu na hora. O bebê, com ruptura do rim, respira, mas treme muito, o que leva os médicos a suspeitarem de uma lesão cerebral.

O cenário seria trágico se não fosse fictício. Apesar de chorar, tossir, engasgar, respirar, ter batimentos cardíacos e pulsação, Pedrinho é um robô. Com tecnologia norte-americana, o equipamento custa US$ 80 mil e foi importado por um centro de treinamento médico carioca.

Chamados de "simuladores reais de pacientes", robôs de última geração e atores (esses sim, bem reais) são as novas estratégias usadas em cursos voltados a estudantes de medicina, médicos e outros profissionais de saúde, a exemplo do que acontece em países como os EUA e o Canadá. As máquinas custam de US$ 80 mil a US$ 300 mil e simulam diversas funções do corpo humano, como respiração, batimentos cardíacos, inchaço e pulsação. Instrutores ficam instalados em uma sala de controle e manipulam as respostas do robô. Por exemplo, os batimentos cardíacos podem variar de uma hora para outra ou a garganta e a língua incham, dependendo da situação clínica.

No centro de treinamento Berkeley, onde está "internado" Pedrinho, há nove salas de simulação totalmente equipadas com robôs, respiradores artificiais, desfibriladores, entre outros equipamentos de suporte à vida. Segundo o engenheiro nuclear Marcelo Bastos Glória, diretor do centro, todas as simulações são feitas a partir de casos reais obtidos em hospitais da cidade. Para estudar determinada situação clínica no robô, os alunos são subsidiados com um verdadeiro dossiê, contendo exames laboratoriais e de imagem do paciente.

Quase 5.000 profissionais de saúde, vindos de instituições médicas de todo o país, já treinaram no local. Além dos robôs, o curso conta com a participação de atores, que representam papéis de pacientes, de parentes das vítimas e de profissionais de saúde. "O treinamento com os simuladores é muito importante porque evita que o paciente seja colocado precocemente na mão do médico. Aqui, um erro pode levar o robô à morte, mas ele ressuscita. Na vida real isso não acontece." Em alguns locais, os robôs vêm a substituir antigos manequins estáticos ou até mesmo animais. Em São Paulo, há forte pressão para que as escolas de medicina deixem de usar os cães recolhidos pelo serviço de zoonoses no ensino cirúrgico. Depois de operados, esses animais são sacrificados.

Médicos

Além dos estudantes, médicos já formados também passam por cursos de reciclagem que usam robôs. No hospital Sírio Libanês, por exemplo, as máquinas são utilizadas no treinamento de diversas situações, como a colocação de tubos na traquéia (traqueostomia) e de sondas na bexiga, a aplicação de choques elétricos no coração e aspiração de sangue e ar do pulmão. O médico Edson Ferreira Paiva, responsável pelo treinamento do Sírio, conta o caso de um médico, formado há mais de 20 anos, que nunca havia conseguido "ressuscitar" um paciente com choque elétrico. Depois do treinamento, relatou ao instrutor ter salvo dois.

Para ele, as emergências cardiovasculares, como o infarto e o AVC (acidente vascular cerebral), são situações que podem ser perfeitamente reproduzidas utilizando robôs. "Eles apresentam palpitação no peito, arritmia. A situação é tão real que os estudantes ficam nervosos." No Sírio, há cinco robôs. Um deles, com ajuda de um compressor, respira.

O Hospital Israelita Albert Einstein lança em outubro um centro de simulação realística de US$ 2,5 milhões, montado em parceria com uma instituição israelense, referência em simulação médica. Além dos robôs, o Einstein vai utilizar atores e pretende investir no que chama de "treinamento atitudinal", focado em decisões e atitudes dos profissionais da saúde que podem ser cruciais para a vida do paciente.

Segundo o médico Carlos Alberto Moreira Filho, superintendente do instituto de ensino e pesquisa do Einstein, não adianta os robôs de última geração se não houver investimento no fator humano e na mudança de atitudes. "Os erros não deixam de acontecer porque o robô fala. Muitos erros em medicina acontecem por problemas que não envolvem o médico diretamente. O cirurgião pode fazer o melhor trabalho do mundo, mas se outro profissional deixa o paciente cair da maca ou não percebe que a máscara de oxigênio não está bem colocada, pode colocar tudo a perder", diz o médico.

Treino é mais real, diz fisioterapeuta

Folha de São Paulo - 29.01.06 - www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2901200618.htm

Profissionais que já fizeram cursos utilizando robôs avançados afirmam que a simulação de situações clínicas é mais "real" do que o treino empregando manequins estáticos. "Ver o bebê-robô chorando, respirando, dá uma emoçãozinha. A gente tem mais cuidado em manipular, tem medo de deixar cair", comenta a fisioterapeuta Darina Florêncio, que trabalha na Beneficência Portuguesa do município de Campos (Rio). Nas últimas quinta e sexta-feira, Darina fez parte de um grupo de fisioterapeutas que participou de um curso na área de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) neonatal no centro de treinamento Berkeley, no Rio de Janeiro. Entre outras coisas, ela aprendeu uma série de manobras a serem feitas em um bebê que nasceu prematuro e está sob ventilação mecânica. "É emocionante ver que uma determinada conduta estabiliza o bebê", diz.

A fisioterapeuta Sirley Rodrigues, 39, de Petrópolis (RJ), trabalha com recém-nascidos e resolveu fazer o curso para se reciclar. "É difícil encontrar espaço para praticar, trocar experiências." Paulo Oliveira, 30, veio do Porto (Portugal) para o Rio com esse mesmo objetivo. Fisioterapeuta em um hospital português, ele veio para um treinamento em UTI de adultos, mas resolveu também fazer o curso neonatal. "Quero reforçar meus conhecimentos em reabilitação cardiorrespiratória. Fazer isso em um paciente real é quase impossível."

Atores

Além dos robôs, o centro de treinamento conta com a participação de atores da escola de teatro do Sesc (Serviço Social do Comércio). Eles representam papéis de pacientes, de familiares e de membros da equipe médica. Eles simulam, por exemplo, os sintomas da doença ou da situação clínica a ser trabalhada. No papel de parentes, dramatizam o desespero com uma notícia de morte ou de doença grave. Na USP, os próprios alunos de medicina atuam como atores, representando pacientes, segundo o cirurgião José Pinhata Otoch.